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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

CRESCIMENTO ZERO É BOM?

Para os economistas ecológicos , parar de crescer é a forma de ser sustentável. Mas isso é possível?

(ÉPOCA NEGÓCIOS)
  Reprodução 
O ano é 2035. O país, o Canadá. Pelo sétimo ano consecutivo, a economia não cresceu. Mas apesar de o aumento do produto interno bruto ter ficado zerado, não há uma crise. A taxa de pobreza está no seu menor nível histórico, principalmente porque o desemprego também é o mais baixo da história, apenas 4%. O endividamento do governo é pequeno, e as emissões de gases do efeito estufa apresentaram uma queda de 31% em relação ao que eram em 2005. Em resumo, a população canadense vive melhor, num país mais limpo e com menos problemas sociais do que vivia em 2010. Parece ficção científica? Esse cenário foi descrito em um livro de economia.
O autor da projeção, o professor canadense Peter Victor, faz parte de um pequeno grupo de economistas que está ganhando cada vez mais atenção, o dos chamados economistas ecológicos. Eles compartilham com seus colegas de profissão muitos conceitos de economia, mas com algumas diferenças fundamentais. Uma das principais está no fato de que, diferentemente da maioria dos economistas, eles estão preocupados em saber se é possível viver bem sem depender de crescimento econômico constante. Estão, assim, em busca de uma economia de crescimento zero.
O livro do professor canadense, intitulado Managing Without Growth (“Vivendo sem crescimento”, em tradução livre), faz parte de uma série de obras que chegaram recentemente às livrarias e que abordam o tema de diferentes formas. No começo de 2010, o economista britânico Tim Jackson chamou a atenção internacional para o tema com o seu Prosperity Without Growth (“Prosperidade sem crescimento”). No Brasil, foram lançados em abril dois livros que tocam nessa discussão, a obra A Natureza como Limite da Economia, do economista Andrei Cechin, e Economia Socioambiental, organizado por José Eli da Veiga, professor de economia da Universidade de São Paulo.
Um traço comum ao pensamento desses autores é a ideia de que a economia é limitada pelos recursos naturais e sistemas ecológicos do planeta. Para eles, não é possível crescer indefinidamente simplesmente porque a Terra não é capaz de sustentar o crescimento de forma infinita. Pode parecer uma afirmação óbvia ao leigo, mas esse é um debate bastante polêmico entre os economistas e que tem consequências importantes em termos políticos. Na grande maioria das faculdades do mundo, a economia é estudada como um sistema isolado, formado por partes, como empresas, pessoas, mercados e capital. A grande preocupação é entender como essas peças interagem para gerar crescimento e riqueza. O impacto desse sistema na natureza e os eventuais limites naturais são questões apenas marginais para a esmagadora maioria dos economistas.
Existem várias explicações para o estudo da economia ter se desenvolvido dessa forma. Uma das centrais é bastante simples. Ao longo da história humana, os recursos providos pela Terra sempre foram tão vastos e o impacto humano tão irrisório, em termos globais, que simplesmente não fazia sentido se preocupar com o assunto. O pai da economia ecológica, o professor americano Herman Daly, afirma que isso está mudando em função do crescimento populacional e do aumento de padrão de consumo mundial, inclusive em nações em desenvolvimento, como o Brasil. “As consequências do crescimento ilimitado estão sendo sentidas com maior clareza e ficando mais evidentes”, disse Daly a Época NEGÓCIOS. Para o professor americano, que leciona atualmente na universidade de Maryland e estuda o assunto há 40 anos, a lista de sinais que apontam para os limites planetários é longa e não pode mais ser ignorada.
Em geral, a economia é estudada como um sistema isolado.
O impacto na natureza é preocupação periférica

BIODIVERSIDADE
Economistas ecológicos olham para as limitações globais por dois ângulos. Um é o dos recursos e serviços naturais, que ou são finitos ou podem ser consumidos em uma velocidade tão grande que impede a sua recuperação – pense no fim do petróleo ou na extinção de algumas espécies de peixes vendidos em escala industrial. Outro ângulo é o da capacidade – ou incapacidade – de absorção de resíduos. Embora economistas no passado tenham se preocupado mais com o primeiro limite, é na área dos resíduos que os problemas são hoje mais evidentes. O aquecimento global é provocado, em parte, pela impossibilidade de o planeta processar todos os gases do efeito estufa que são lançados na atmosfera pela atividade humana. E o aquecimento global é apenas o problema mais conhecido, dizem Daly e seus colegas.
Neste ano, o cientista ambiental Jonathan Foley coordenou um grande estudo internacional para entender em que áreas o mundo está mais ameaçado. O grupo analisou nove processos ambientais cuja alteração pode tornar o planeta incapaz de sustentar vida. Entre os nove, além da mudança climática, estão a perda de biodiversidade, o esgotamento das terras férteis e o fim da água doce e limpa (veja os quadros). Durante a análise, os cientistas calcularam os tetos de alteração que seriam toleráveis. Acima deles, os processos ambientais estariam ameaçados.
Segundo as contas de Foley e seus colaboradores, em três sistemas os limites desejáveis já foram ultrapassados. Um dos tetos rompidos é o de concentração de CO2 na atmosfera. Na opinião dos cientistas, não basta apenas diminuir as emissões atuais do gás. É preciso também reduzir sua concentração de forma absoluta para evitar mudanças climáticas drásticas. Outra área sob grande estresse, afirma o estudo, é a da biodiversidade. Com o desaparecimento de ecossistemas, como florestas e mangues, temos hoje a maior taxa de extinção de espécies da história da Terra. A poluição de rios e oceanos por nitrogênio e fósforo, despejados no meio ambiente principalmente por causa do uso de fertilizantes, é a terceira área em que a capacidade terrestre de processar resíduos já teria sido superada.
Sob a ótica puramente ecológica, ultrapassar esses limites significa que a humanidade está pondo em risco o seu próprio bem-estar e o das gerações futuras. Do ponto de vista econômico, há ainda o problema adicional da perda do que se convencionou chamar de serviços ambientais. Esses serviços são uma espécie de trabalho prestado pela natureza – e pelo qual não pagamos nada. Água doce e limpa é um exemplo. Caso toda a água doce do mundo seja contaminada ou perdida, serão necessários muita energia e dinheiro para limpá-la ou para dessalinizar os oceanos. O mesmo pode ser dito das terras cultiváveis e da polinização feita pelos insetos. Se esses serviços forem perdidos, viver e manter o crescimento se tornará muito mais difícil. O economista Robert Costanza, da universidade canadense de Vermont, calcula que os serviços ambientais representem hoje o equivalente a US$ 45 trilhões.
Dados científicos sobre os limites naturais são muito importantes nas teses dos economistas ecológicos. Isso porque a questão para eles não é ficar contra ou a favor do crescimento, mas verificar se ele é positivo. “Não vemos o crescimento como bom ou ruim em si mesmo. Crescimento é simplesmente ficar maior, e se os benefícios de crescer são maiores do que os custos isso é bom”, diz Rob Dietz, presidente da Casse, uma organização não governamental que defende alternativas ao crescimento econômico a qualquer custo.
Na visão defendida por Dietz e Daly, há um ponto em que aumentar o PIB se torna antieconômico. Isso acontece, argumentam, quando as bases para o crescimento futuro são dilapidadas no presente. Um exemplo é a velocidade com que várias espécies de peixes estão sendo pescadas. Muitas estão diminuindo de tamanho porque não têm tempo de se reproduzir. A expectativa é que possam ocorrer mais colapsos como o que atingiu comunidades pesqueiras da América do Norte na década de 90, quando a extinção do bacalhau no Atlântico Norte enterrou uma indústria que na época empregava 40 mil pessoas.
Daly diz que os economistas são treinados para pensar em como lidar com a escassez. Porém, afirma ele, historicamente o que sempre faltou foram trabalhadores ou capital. “Os recursos naturais sempre foram abundantes, mas em um mundo cheio de gente e com alto consumo o padrão de escassez mudou”, diz Daly. Agora, em casos como o dos peixes, não faltam barcos ou pescadores. Faltam cardumes.
Apesar da clareza desse raciocínio, muitos economistas e pensadores contemporâneos não concordam com ele. “O intelecto humano tem uma tendência a achar que está vivendo em um momento de virada histórica. Isso aconteceu com todas as gerações nos últimos 200 anos, e todas estavam erradas”, afirmou a Época NEGÓCIOS o escritor britânico Matt Ridley, autor do recém-lançado The Rational Optimist (“O otimista racional”). Ridley acredita que a humanidade está vivendo um dos seus momentos mais promissores e que a tendência geral é de melhora nas condições de vida para a maioria nos próximos 100 anos. Ele também aposta que vamos conseguir preservar a natureza.
Ridley enumera uma série de argumentos econômicos para explicar por que discorda das ideias sobre limites naturais e crescimento antieconômico. Um dos argumentos é o da eficiência no uso dos recursos. “Para sustentar o meu estilo de vida, uso três vezes menos terra do que o meu avô usava, simplesmente porque triplicamos a produtividade desde 1940”, diz ele. Além da eficiência, o escritor diz que as soluções tecnológicas e a inventividade humana são, em geral, subestimadas. A revolução agrícola da segunda metade do século 20, afirma Ridley, mostrou que o medo da fome generalizada era um exagero. O aumento da educação também está derrubando naturalmente os índices de natalidade e deve estabilizar a população global a partir de meados deste século. Ridley afirma ainda que até mesmo as previsões sobre o fim dos combustíveis fósseis já foram frustradas diversas vezes por causa da evolução nas técnicas de extração. “A melhor coisa que podemos fazer pelo mundo é acelerar as transformações tecnológicas e o crescimento”, afirma.

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